Salário-maternidade e a Lei 14.151/2021 – Tema 335 da TN

Em uma sessão ordinária realizada em 4 de setembro, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) emitiu uma decisão de grande impacto jurídico e social. Por maioria, a TNU negou o pedido de uniformização da União em um caso envolvendo a interpretação da Lei 14.151/2021 e a concessão de salário-maternidade a gestantes afastadas do trabalho presencial em razão da pandemia de Covid-19.  

Sob a relatoria da juíza federal Lilian Oliveira da Costa Tourinho, foi fixada a tese de que o salário-maternidade é devido às gestantes afastadas do trabalho presencial pela Lei 14.151/2021, quando comprovada a impossibilidade de trabalho remoto e a inviabilidade de adaptação das funções para teletrabalho. Essa decisão, representativa de controvérsia, estabelece o Tema 335 e orienta futuras decisões similares. 

Contexto e divergências judiciais 

O julgamento na TNU veio em resposta a um pedido de uniformização da União, que buscava resolver divergências entre acórdãos de turmas recursais sobre a aplicação da Lei 14.151/2021. A lei determinou o afastamento de gestantes do trabalho presencial durante a pandemia, visando proteger a saúde das trabalhadoras e dos nasciturnos contra a Covid-19. No entanto, surgiram dúvidas sobre o ônus financeiro do afastamento, especialmente em casos onde o trabalho remoto fosse inviável. 

A 8ª Turma Recursal de São Paulo (SP) havia decidido que o salário-maternidade deveria ser pago a gestantes afastadas que não pudessem trabalhar remotamente, com a União e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) assumindo esse custo, com base na proteção de saúde da gestante durante a pandemia. Em contraste, a 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Goiás (GO) entendeu que a Lei 14.151/2021 não alterava o período de 120 dias previstos para o salário-maternidade, nem estabelecia a responsabilidade da União para arcar com tal pagamento. 

Fundamentação jurídica da decisão da TNU 

A juíza relatora Lilian Oliveira da Costa Tourinho fundamentou sua decisão na interpretação de que a Lei 14.151/2021 determinou o afastamento de todas as gestantes do trabalho presencial durante a pandemia, sem exigir a comprovação de gravidez de risco para fins de salário-maternidade. Ela explicou que, nos casos em que o trabalho remoto fosse inviável devido à natureza da função, o contrato de trabalho seria interrompido ou suspenso, e a situação seria assimilável a uma licença-maternidade, garantindo o salário-maternidade à gestante afastada. 

A relatora pontuou que, dada a impossibilidade de realocação das funções em um ambiente salubre e seguro, o afastamento não deveria ser custeado pelo empregador, que, em princípio, não poderia arcar com o ônus financeiro dessa proteção sem o devido suporte do Estado. Em situações de incompatibilidade do trabalho remoto e impossibilidade de adaptação, a gestante não está tecnicamente à disposição do empregador, e o pagamento do salário-maternidade passa a ser uma responsabilidade do Poder Público. Assim, a juíza propôs a compensação financeira desse custo por meio dos recolhimentos das contribuições previdenciárias, conforme estabelecido no art. 72 da Lei 8.213/91. 

Proteção à maternidade como direito constitucional 

A decisão da TNU se baseou também no artigo 6º da Constituição Federal, que consagra a proteção à maternidade como um direito social fundamental. A juíza Tourinho destacou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que reforça a proteção à empregada gestante em qualquer circunstância que represente risco à saúde e ao bem-estar, e reiterou que a gravidez não pode se tornar um ônus para o empregador, o que desincentivaria a contratação de mulheres no mercado de trabalho. 

Durante a pandemia de Covid-19, o distanciamento social foi uma medida amplamente adotada para conter a disseminação do vírus, e a relatora apontou a relevância dessa política pública de enfrentamento da crise de saúde pública. A necessidade de proteger as trabalhadoras gestantes, então, é vista não apenas como uma política individual, mas como uma ação de interesse público e coletivo. 

Articulação com o princípio da separação dos poderes e políticas públicas 

Outro ponto de destaque na decisão foi a análise do papel do Poder Judiciário na salvaguarda de direitos fundamentais. Segundo a relatora, a atuação do Judiciário em políticas públicas, embora excepcional, não representa uma violação ao princípio da separação dos poderes, mas sim uma intervenção para garantir direitos quando o Estado não assegura a proteção devida. Nesse caso, o afastamento da gestante do trabalho presencial sem prejuízo de remuneração foi interpretado como uma política pública indireta que resguarda a dignidade e a segurança da trabalhadora. 

A relatora esclareceu ainda que a rejeição de uma emenda ao projeto original da Lei 14.151/2021, que pretendia incluir expressamente a concessão do salário-maternidade em casos de afastamento sem possibilidade de trabalho remoto, refletiu a intenção do legislador de delegar essa análise ao Poder Judiciário. 

Conclusão 

A tese fixada pela TNU no Tema 335 sobre a equiparação do afastamento de gestantes ao salário-maternidade sob a Lei 14.151/2021 representa um marco relevante na proteção jurídica das trabalhadoras gestantes. A decisão demonstra um compromisso com a defesa dos direitos sociais das mulheres no mercado de trabalho, reforçando que a maternidade não deve ser um ônus para o empregador e, ao mesmo tempo, reiterando a necessidade de políticas públicas que assegurem a saúde e o bem-estar das trabalhadoras gestantes.  

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